O estilo de Tasha e Tracie é marcado por elementos da periferia e, justamente por isso, constantemente é alvo de desaprovação.
Mas afinal, de onde vem esse incômodo com essa forma de se vestir?
Neste texto, exploramos o que está por trás do estilo das gêmeas e, principalmente, o que está por trás dessas reações negativas aos seus looks.
Essas são as meninas que os meninos gostam
Tasha e Tracie Okereke são MCs, compositoras e diretoras de arte nascidas no Jardim Peri, na Zona Norte de São Paulo.
As gêmeas são conhecidas por seu trabalho na música e na moda, ambos retratando o seu estilo de vida e experiências na periferia da maior capital do Brasil.
Não é à toa que elas são referência quando o assunto é representar a cultura das quebradas de forma autêntica e mais próxima possível da realidade.
Saia da Cyclone e a lupa combina com a unha
O estilo de Tasha e Tracie é repleto de elementos que representam as periferias de São Paulo.
Tanto é que em entrevista, Tasha já expressou sua insatisfação com a indústria da moda, dizendo que ela não a representa e mesmo quando tenta não ser excludente, ela é.
Entretanto, essa negação ao que é ditado pela indústria da moda e o ato de manter o estilo da favela, mesmo após ascender socialmente, faz com que suas roupas gerem burburinhos e comentários negativos, afinal, embora essa estética seja celebrada nas periferias, fora delas ela é marginalizada.
Um bom exemplo é a saia da marca brasileira Cyclone, que é até mesmo citada na música das irmãs e vira e mexe faz parte da composição de seus looks.
A Cyclone tem 40 anos de história e é peça-chave nas favelas de São Paulo, sendo vista como um símbolo de status e aspiração, bem como os óculos Oakley Penny, a famosa lupa, que também é presença marcada nos looks das irmãs.
É por elementos e escolhas como a Cyclone e a Oakley que o estilo de Tasha e Tracie é lido como uma celebração da autenticidade das mulheres negras periféricas.
Ou seja, o modo de Tasha e Tracie se vestirem é um reflexo direto de suas experiências e identidades. É uma prova de que elas abraçam suas raízes e, diferente de muitos artistas, não as abandonam quando começam a ascender.
Mas será que sempre foi assim?
“Na adolescência, a gente era complexada. Achava que a mulher preta nunca seria a menina que namora, de que alguém gosta na escola, que todo mundo acha bonita. Nessa época, a roupa era pra gente se cobrir, porque não tinha grana, comprava uma vez por ano.”
A fala é de Tasha em uma entrevista dada em 2018, quando ela relembra o que o universo da moda e beleza representava para ela e sua irmã durante a adolescência.
Como fica claro nesta citação, a relação delas com o mundo da moda e beleza não era diferente do que já foi para toda jovem negra periférica.
Afinal, essas indústrias direcionam a nossa visão para que o belo seja o mais próximo do padrão europeu e branco, algo que reflete negativamente na autoestima de mulheres negras periféricas.
Nós rouba a cena, não os seus artigo
Certo dia, ainda na adolescência, Tasha e Tracie ganharam uma blusa de presente e personalizaram a peça, a transformando em um cropped.
Naquela época, as irmãs só ganhavam roupas e o pouco que compravam, era de brechós que vendiam peças por um ou dois reais. Deste modo, a única maneira de deixar uma peça com a sua cara era customizando.
Por exemplo, quando queriam uma roupa com estampa de marca, elas escreviam à caneta o nome da marca no tecido.
Em entrevista à Elle Brasil, as gêmeas declararam que enquanto faziam isso, se inspiravam no Dapper Dan, o estilista que em 1980 se apropriou de logos da Gucci, Louis Vuitton e Fendi para estampar peças de roupas que ele vendia no Harlem, o que o levou a criar a tendência da logomania no universo do hip-hop.
Expensive $hit
Essas experiências de customização de roupas ganhadas ou compradas em brechós fez Tasha e Tracie criarem o blog Expensive $hit em 2012, quando tinham 17 anos.
O foco do blog era levar autoestima a mulheres como elas por meio de assuntos como moda e beleza.
Para isso, elas relatavam como vivenciavam a moda sendo jovens negras da periferia e compartilhavam suas inspirações, que geralmente eram mulheres nigerianas, apresentadas por seu pai, que é nigeriano, e artistas do hip-hop dos anos 1990.
Como neste tempo as irmãs ainda não tinham internet em casa, usavam a casa de amigos, a casa do tio ou algumas horas nas lan houses do Jardim Peri para atualizar o site.
E assim, pouco a pouco, Tasha e Tracie foram evoluindo os textos e fotos do Expensive $hit para editoriais de moda feitos por elas, com um colchão de fundo para as fotos em que mostravam seus looks.
Ditando tendência, como sempre, a favela
“Foi a partir do blog que a nossa carreira começou.”, relata Tasha em entrevista.
Em um primeiro momento, o blog foi aceito e visto por jovens da periferia.
Isso abriu portas para que elas criassem o coletivo de moda e ativismo MPIF – Mulher Preta Independente de Favela, em que faziam desfiles próprios com mulheres negras na passarela.
Depois, as gêmeas começaram a fechar projetos com marcas, como a Melissa.
Já em 2015, o site do Afropunk, maior festival de cultura negra do mundo, reconheceu o talento e estilo de Tasha e Tracie em um post especial.
Em 2016, as gêmeas fizeram um documentário para a i-D, uma revista britânica de moda.
Em 2017, Dapper Dan disse em vídeo que chama as gêmeas de suas filhas, reconhecendo a potência de seus nomes na moda.
Neguinha canela cinza, hoje com vários Adidas
Destacar que as gêmeas não abandonaram suas raízes quando o assunto é moda é um tópico importante quando falamos do modo de se vestir de Tasha e Tracie.
Isso porque a indústria da moda pressiona pessoas negras a se encaixarem dentro de padrões considerados mais aceitáveis visualmente, principalmente quando falamos de artistas que alcançam um certo nível de reconhecimento.
Assim, é normal vermos pessoas negras renunciarem sua essência para se encaixarem.
Mas o estilo de Tasha e Tracie causa impacto justamente porque bate de frente com a ideia de que precisamos mudar para fazermos parte de uma estética padrão que “nos aceita e nos respeita”.
Por que o estilo de Tasha e Tracie incomoda tanta gente?
A resposta do porquê o estilo de Tasha e Tracie incomoda tanta gente não tem muitos mistérios.
Tudo começa com a indústria da moda brasileira, fortemente influenciada pela cultura europeia, que nos direciona a um ideal de beleza e estilo que não reflete a realidade e pluralidade do nosso país.
Isso porque esse ideal de beleza que nos é vendido é de uma cultura predominante branca.
Deste modo, quando o estilo de Tasha e Tracie reforça e traz luz para a cultura periférica e majoritariamente negra, que é constantemente alvo de estereótipos negativos, elas causam desconforto aos olhos que estão acostumados com um padrão estético europeu.
Além disso, vale reforçar que a cultura periférica que elas celebram em seus looks muitas vezes é tratada com desdém e marginalização pela indústria da moda dominante.
Ou seja, o estilo de Tasha e Tracie incomoda tanta gente por conta da falta de compreensão e de representação de diferentes culturas na indústria da moda brasileira.
Assim, todos os comentários em redes sociais que questionam suas roupas são o reflexo de um sistema que restringe a diversidade e impõe um padrão eurocêntrico de beleza e moda.
Justamente por isso a resistência do estilo das gêmeas merece destaque, pois elas reconhecem e celebram a riqueza e a beleza das periferias do Brasil, um país que conta com mais de 10 mil favelas, que se somadas, poderiam produzir o terceiro maior estado em número de habitantes do país.
Tasha e Tracie no Bet Awards Hip Hop: vai ver as neguinha vencendo de novo
Um caso de destaque do incômodo da sociedade com o estilo de Tasha e Tracie foi o BET hip-hop awards, uma premiação norte-americana que destaca a música e cultura negra e que em 2023 indicou as gêmeas na categoria Melhor Flow Internacional.
Embora esse seja um grande marco na carreira das cantoras, a internet só sabia falar de um assunto: os looks escolhidos pelas gêmeas para o tapete vermelho.
Esse foi um clássico exemplo de que Tasha e Tracie abraçaram suas raízes de mulheres negras que nasceram na periferia de São Paulo e também um clássico exemplo de desconforto da sociedade com essa estética.
Isso porque a maioria dos comentários questionava, ridicularizava e zombava da escolha das roupas.
Como a própria Tasha já disse em entrevista: “Todo mundo ama nossa cultura, mas ninguém quer ver a gente vestindo a nossa cultura.”
Levar esses looks para um evento internacional é uma grande chance de mostrar para grande mídia que o hip-hop é um estilo com raízes diferentes em cada canto no mundo.
E aqui no Brasil, ele está mais perto do que Tasha e Tracie vestem, do que os looks de artistas gringos, embora eles sejam grandes inspirações.
Mandraka da norte, bonita igual malote
Mandrake é o nome do estilo de Tasha e Tracie. De origem das periferias de São Paulo e da Baixada Santista, o estilo mandrake é uma forma de expressão de identidade e uma afirmação de superação de jovens da favela.
O estilo mandrake é reforçado por peças como camisas de times de futebol, óculos Juliete e Oakley, tênis Mizuno, bonés da Lacoste, entre outras peças.
E embora esse visual tenha ganhado destaque nos últimos anos por conta da onda de popularidade da estética retrô dos anos 2000, o mandrake surgiu por volta da década de 1970, quando o funk brasileiro começou a ganhar destaque nas periferias.
Assim, os bailes funks deram origem ao mandrake e propagaram e consolidaram essa estética nas favelas do Brasil à fora, proporcionando um senso de pertencimento e orgulho para aqueles que se identificam com ele.
Neste cenário, o estilo de Tasha e Tracie é referência quando o assunto é mandrake, pois elas reforçam esse visual em seus looks e músicas, como aconteceu no Bet Awards Hip Hop.
Sabendo disso, confira na sequência alguns elementos-chave do estilo de Tasha e Tracie.
Bonés de Crochê
O boné de crochê faz parte do estilo de Tasha e Tracie atualmente, mas sua popularidade começou nos anos 1990 e 2000, pois eram confeccionados por presidiários que recebiam treinamento em artesanato como parte de programas de reintegração social.
Depois, esses bonés se tornaram uma importante fonte de renda para ex-detentos que buscavam se restabelecer na sociedade, sendo também adotados por influentes figuras do cenário do funk.
Atualmente, os bonés de crochê continuam sendo uma fonte crucial de sustento para muitas famílias nas comunidades periféricas.
Justamente por esse histórico, eles são considerados relíquias e itens cobiçados que compõem o chamado “kit” nas favelas.
Tênis
Os tênis desejados nas favelas, como Mizuno e Oakley, têm um papel central no estilo das irmãs.
Além de serem ícones da cultura Mandrake, eles dão um toque de autenticidade aos visuais das gêmeas.
Minissaias
Minissaias são elementos essenciais no estilo de Tasha e Tracie.
Eles trazem um visual ousado e vibrante, destacando sua sensualidade, confiança e individualidade.
Tops
Os tops aprimoram o visual de Tasha e Tracie, com recortes diferentes e uma variedade de cores vibrantes e aplicações.
Além deles, sutiãs, corsets e lingeries também fazem parte das composições de Tasha e Tracie, adicionando uma pitada de ousadia e sensualidade aos seus estilos.
Camiseta de time
O estilo de Tasha e Tracie frequentemente incorpora camisetas de time e roupas esportivas.
Essas peças, em especial, proporcionam um toque casual e esportivo ao estilo.
Oversized
O oversized trata-se de roupas em tamanhos maiores e é uma tendência-chave do streetwear.
Nas gêmeas, o oversized marca presença em seus visuais em moletons, calças e jaquetas.
Conjuntos
Uma das marcas registradas do estilo de Tasha e Tracie são os conjuntos coordenados.
Trata-se de tops que combinam perfeitamente com saias, shorts ou calças, proporcionando um visual harmonioso.
Óculos Oakley
A inclusão de óculos de sol Oakley, conhecidos como “lupas,” é uma tendência que destaca a combinação única de moda de luxo e autenticidade cultural nas escolhas das irmãs.
Unhas Longas
As unhas longas e decoradas com nail arts incorporam o estilo de Tasha e Tracie e destacam a atenção das gêmeas aos detalhes.
Estética Y2K
O estilo Y2K, caracterizado por calças de cintura baixa, saias plissadas e curtas, acessórios coloridos e joias brilhantes, é predominante no estilo de Tasha e Tracie.
Todos esses elementos evocam uma sensação de nostalgia moderna e uma atitude vibrante.
Sempre chave, sem estilista, igual rica mansa musa
O estilo de Tasha e Tracie se destacou por demonstrar que a moda é uma forma poderosa de mudar vidas e contar histórias, além de celebrar a diversidade das favelas e desafiar paradigmas.
Com suas composições, elas ditam tendências e reforçam a importância da representatividade da periferia dentro da indústria da moda.
E as constantes críticas às roupas das gêmeas mostram a marginalização do estilo mandrake e o preconceito enfrentado pelos que adotam essa estética.
Tal preconceito e marginalização tem raízes de um sistema que tende a favorecer e promover padrões estéticos europeus e brancos, excluindo do radar a cultura das periferias e de pessoas negras, reduzindo elas a estereótipos negativos.
Mas ao abraçarem esse estilo nos palcos, como no The Town e Rock in Rio, e em espaços internacionais, como no Bet Hip Hop Awards, Tasha e Tracie reproduzem uma resistência em aceitar e comemorar a cultura das favelas, além de reivindicarem seu espaço como mulheres negras de origens periféricas que ascenderam socialmente.
2 Comments