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Boné de crochê: dos sistemas prisionais para a SPFW

Boné de Crochê

O boné de crochê é uma manifestação cultural das periferias de São Paulo que atravessa gerações.

A trajetória desse item é marcada pela cena do funk paulistano, com forte presença no estilo dos MCs, mas também carrega uma história com sistema prisional, uma vez que são produzidos por detentos e vistos como símbolo de reinserção social.

E essa expressão de moda que nasceu nas ruas já chegou até as passarelas do São Paulo Fashion Week, ultrapassando as fronteiras entre a elite da moda e a cultura periférica. 

Neste artigo, mostramos todo o trajeto que o boné de crochê, antes marginalizado, traçou até ser reconhecido no maior evento de moda do Brasil.

O que é um boné de crochê?

Um boné de crochê é um acessório de moda confeccionado através desta técnica de artesanato, que usa agulhas especiais para entrelaçar fios de forma manual, criando uma malha de textura única. 

Diferentemente dos bonés tradicionais, que geralmente são feitos de tecidos mais rígidos, os bonés de crochê são caracterizados por sua maleabilidade e estilo artesanal. 

Na produção destes acessórios, destacam-se estampas com logotipos de marcas famosas, como Lacoste, Nike, Cyclone e Mizuno, mas principalmente o boné de crochê dos irmãos Metralha, do tio Patinhas e da Arlequina, além de estampas com o símbolo do cifrão e nomes de bairros.

História do boné de crochê

A história do boné de crochê começa a ser relatada na década de 1990, com suas origens nos presídios, quando aqueles que cumpriam pena viam nessa forma de artesanato uma atividade significativa. 

Isso porque bonés, tapetes e outros itens feitos de crochê eram (e ainda são) produzidos por detentos como uma atividade para passar o tempo durante os dias de cárcere e reduzir a pena.

A partir daí, ele se espalhou para as ruas das periferias, onde passou a ser visto como um símbolo de identidade e resistência.

Mas ainda era difícil adquirir um destes bonés naquela época, porque para tê-los, era preciso ter contato direto com alguém que estava em situação de encarceramento, logo, havia uma forte conexão entre os bonés de crochê e o universo prisional. 

E justamente por esse histórico que os bonés de crochê ficaram associados a estereótipos negativos e discriminação, principalmente por parte da polícia.

Por exemplo, na hora de uma abordagem policial, pessoas que usam esses modelos de bonés relatam que muitas vezes querem rasgá-los e cortá-los, pois a polícia encara o acessório como um símbolo de apologia ao crime.

Tal discriminação foi um dos fatores que levou à marginalização dos bonés de crochê. 

Entretanto, essa visão distorcida ignora o verdadeiro significado por trás da prática do crochê dentro das prisões e da produção desses itens. 

Lá, o artesanato em si, além de uma forma de ocupação construtiva, serve como uma ferramenta de resgate e reinserção social para muitos detentos.

Bonés de crochê: funk e rap

Os bonés de crochê são um acessório que tem uma relação marcante com a música periférica, especialmente com o funk e o rap. 

Neste cenário, MCs e personalidades desses gêneros musicais costumam utilizar o item e influenciam diretamente seus fãs, que se inspiram em seus estilos.

Porém, devido ao contexto histórico dos bonés de crochê, a conexão entre o acessório e a  cena musical periférica vai além da estética, pois por ser associado à cultura carcerária, ele é visto como uma forma de desafiar o sistema que marginaliza as pessoas que vivem nas periferias, uma mensagem similar ao que esses artistas cantam em seus letras.

Ou seja, na cena do funk e do rap, o simples uso dos bonés de crochê é uma forma de protesto contra os preconceitos em torno das periferias, bem como acontece com a maior parte das peças do streetwear.

Entre os artistas que usam o acessório, podemos citar desde ícones de gerações passadas, como MC Duda do Marapé e MC Kauan até personalidades da nova geração, como Tasha e Tracie, Kayblack, MC Kaverinha e MC Neguinho BDP.

Bonés de crochê na SPFW

Embora seja símbolo de uma cultura marginalizada, os bonés de crochê conquistaram seu espaço nas passarelas da São Paulo Fashion Week, o evento de moda mais importante da América Latina.

O mérito é do Projeto Ponto Firme, uma iniciativa liderada pelo estilista Gustavo Silvestre, que deu visibilidade aos bonés de crochê pela primeira vez em 2018, quando apresentou uma coleção desenvolvida pelos alunos do projeto da Penitenciária II “Desembargador Adriano Marrey” de Guarulhos.

Desde então, os bonés de crochê já marcaram presença em quatro edições da São Paulo Fashion Week.

Uma dessas vezes foi em 2022, com o coletivo Artesanato Chave, formado por jovens artesãos da periferia de São Paulo, que entregaram uma coleção que representava o que eles consideram o estilo do mano.

Todos os participantes deste coletivo tem o crochê como sua principal fonte de renda e afirmam que esse movimento é capaz de resgatar vidas.

Já em 2023, os bonés crochê voltaram a ser destaque na SPFW, com a participação da marca Crochê de Vilão, criada pelo artesão Vitor Siqueira.

A participação do Crochê de Vilão no SPFW foi uma reafirmação do poder destes bonés como uma forma de expressão cultural e de empoderamento da periferia.

Projeto ponto firme

O Projeto Ponto Firme merece destaque quando falamos da história do boné de crochê e de seu significado além da estética.

Isso porque trata-se de uma iniciativa social que ministra aulas de crochê como forma de transformação social para pessoas que estão ou passaram pelo cárcere.

Deste modo, desde 2015, o projeto tem como objetivo apontar novos caminhos e auxiliar aprendizes a enfrentarem e superarem um período conturbado.

A ideia é liderada por Danilo Sorrino, fotógrafo e produtor da iniciativa, que observou que alguns dos alunos já faziam crochê, enquanto outros tinham interesse em aprender.

Então, o que a equipe do projeto fez foi levar mais referências para ampliar o repertório dessas pessoas para que pudessem enxergar no crochê uma forma de terapia de ocupação e principalmente fazer com que eles tivessem uma geração de renda.

Além disso, a cada 12 horas de aula, reduz um dia na pena das pessoas que participam do curso.

Ou seja, o Ponto Firme é um projeto que tem como objetivo promover a transformação social a partir do crochê e desde sua criação tem sido um sucesso, com produções de detentos apresentadas na SPFW e peças que já vestiram famosos como Bruna Marquezine, Anitta e Pabllo Vittar.

Mas afinal, como fazer um boné de crochê?

Se você tem interesse em como fazer boné de crochê, o canal do Youtube do Rafael Estevao tem diversos vídeos didáticos ensinando sobre a técnica e todo processo de produção. 

Rafael esteve no cárcere em 2017 e viu no crochê um refúgio durante o período. Em entrevista, ele diz que dentro do presídio você se sente meio depressivo. “E eu consegui sair dessa depressão com crochê”, relata.

Perguntas frequentes sobre bonés de crochê

O que significa boné de crochê?

Os bonés de crochê têm um forte significado na cultura periférica brasileira, onde são vistos como um símbolo de identidade e resistência, principalmente por historicamente serem produzidos por encarcerados do sistema prisional e serem uma fonte de refúgio e reinserção social para esses indivíduos.

Quando foi criado o boné de crochê?

Não há uma data específica de criação dos bonés de crochê, pois o crochê é uma técnica de tecelagem bastante antiga. No entanto, a popularização dos bonés de crochê nas periferias de São Paulo, especialmente ligado à cultura do funk e Rap, teve destaque na década de 1990.

Quanto custa um boné de crochê?

A média estimada de um boné de crochê é de R$100 a R$300, por ser um acessório de moda feito à mão e que contribui para o sustento e a realização de sonhos nas comunidades periféricas

Onde comprar um boné de crochê?

Bonés de crochê podem ser comprados de negócios como Crochê de Vilão, Crochê do RD, coletivo Artesanato Chave, RenêBonés De Crochê, Estilo Coyote, Patriota Croche e Crochê 777.

Conclusão

Como você viu, os bonés de crochê vão além de serem simples acessórios de moda. Eles representam uma manifestação cultural rica em significados. 

Possibilitando rendas para artesãos e integrantes de coletivos como o Artesanato Chave, esses bonés se transformam em instrumentos de empoderamento econômico nas periferias.

Além disso, ao fazerem o estilo característico das quebradas, esses acessórios se tornam verdadeiras expressões de identidade e resistência, desafiando estereótipos preconceituosos. 

Assim, os bonés de crochê podem ser considerados uma arte capaz de quebrar barreiras e desmistificar visões limitadas e preconceituosas em torno da moda de quebrada, provando que nestes espaços criam-se símbolos autênticos de uma cultura rica.

Imagem: Danilo Sorrino

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