Homens negros com ternos coloridos, sapatos chiques, chapéus-coco, bengalas e óculos escuros desfilam pelas ruas do Congo todo mês de junho em uma performance quase teatral. Mas todo esse luxo contrasta com um cenário de pobreza. Essa é a La Sape.
Bora entender melhor esse movimento feito por pretos?
O que é a La Sape?
A La Sape é um movimento cultural africano em que pessoas usam roupas extravagantes e modernas como forma de apropriar-se do estilo de seus colonizadores brancos e mostrar resistência.
O nome é a abreviação de Société des Ambianceurs et des Personnes Élégantes, que em tradução significa “Sociedade de Ambientadores de Pessoas Elegantes”.
Para ficar ainda mais claro o que é a La Sape, é importante entender que esse movimento surgiu como um ato revolucionário em que congoleses passaram a copiar o estilo europeu dos colonos e inserir neste estilo cores e características da moda africana.
E tudo isso tem um contexto histórico fundamental que explicamos na sequência. Acompanhe!
Contexto histórico
A La Sape iniciou-se como um movimento de jovens rebeldes do Congo que eram contra o imperialismo francês.
A ideia destes jovens era usar a moda para revolucionar e o meio que eles encontraram foi copiando o estilo de se vestir e os gestos de seus colonizadores europeus, como uma estratégia para mudar as relações de poder da época.
Ou seja, o intuito destes jovens negros era provar que eles poderiam ser tão inteligentes, elegantes e bem vestidos quanto os seus colonizadores.
Ressaltando que aqui estamos falando de um movimento que começou no período de colonização do Congo pela França e pela Bélgica, algo que aconteceu ao longo do século XIX.
Portanto, neste período, esta atitude de dominar as roupas e os modos de vida dos colonizadores era um ato de rebeldia e resistência para homens africanos.
Quem fazia parte da La Sape?
No início da La Sape, quem fazia parte desta comunidade de pessoas elegantes eram jovens desempregados e com pouca escolarização.
Ou seja, a raiz deste movimento dava visibilidade para homens negros que eram marginalizados em território africano.
Portanto, todas as ações destes homens com esse movimento era uma forma de reconstruir os seus espaços que estavam passando por alterações por conta da colonização.
Neste cenário, destacamos que a colonização do Congo aconteceu, em boa parte, pela França, então, muito deste estilo copiado e adaptado pelos Sapeurs (nome dos membros da La Sape), advinha da cultura francesa.
Assim, por meio da apropriação das roupas e dos costumes europeus dos colonizadores, esses jovens do Congo que criaram a comunidade mostravam sua relação de força e impotência diante de colonizadores e resistiram diante da invisibilidade que sofriam em suas terras.
Significado da La Sape: o que há por trás?
O significado por trás da La Sape, em seu início, era confrontar as roupas de luxo vestidas pelos colonizadores europeus, que na época eram usadas pela elite para demonstrar distinção social.
Portanto, quando homens pobres do Congo apropriam-se dessas roupas e ainda acrescentam nelas cores, estampas e texturas africanas, eles se reinventam em sociedade e afrontam a política.
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O significado das roupas para os colonizadores
Usar as roupas para fazer revolução e confrontar os colonizadores europeus era uma estratégia muito bem elaborada por parte dos jovens do Congo, pois para esses colonizadores as roupas tinham um grande significado.
Isso porque no século XIX, quando a colonização estava acontecendo, o vestuário europeu, composto por cartolas, bengalas, sapatos, luvas e monóculos, demonstravam que os colonizadores tinham privilégios e respeito em certos territórios.
Logo, eles usavam as roupas para expressar sua força como estrangeiros no Congo.
Justamente por isso a escolha dos congoleses de se assemelharem aos colonizadores por meio das roupas era uma performance revolucionária.
Qual o resultado do movimento La Sape?
O resultado deste movimento foi devolver aos colonizadores brancos europeus o status de imigrante.
Na prática, esse resultado foi alcançado pelo simples ato de homens negros congoloses se vestirem e agirem como europeus e darem a essas roupas um toque da cultura africana.
Tal atitude permitiu que eles reivindicassem o seu direito à visibilidade em suas próprias terras por meio da elegância, transfigurando poder com a imagem de homens negros teatralizando a finura.
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A linha tênue entre parecer e querer ser europeu
À primeira vista, quando falamos que o movimento La Sape tratava-se de homens negros africanos usando roupas de homens brancos europeus, pode-se criar a ideia de que eles queriam ser como esses homens.
Mas essa ideia é errada.
O verdadeiro intuito dos Sapeurs era incorporar as roupas e os gestos europeus como uma forma de não sucumbir ao domínio dos colonizadores.
Como se vestem e se comportam os Sapeurs?
Elegância é a palavra-chave quando falamos sobre como se vestem os Sapeurs. Em seus looks, vemos a predominância de:
- ternos.
- paleta de cores “bloco de cores”;
- sapatos sociais;
- cartolas;
- gravatas;
- chapéus-coco;
- bengalas;
- óculos escuros.
E a sofisticação desta comunidade vai além das roupas, pois eles também se preocupam com os gestos corporais, como um caminhar mais lento, posição do corpo sempre reta, olhar superior e afins.
Porém, toda essa pose de poder se mescla com ações e modos de vida da cultura africana, porque quando esses homens saem na rua atualmente, eles performam canções africanas.
Mas aqui estamos falando dos Sapeurs de hoje.
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Como é a La Sape hoje?
Embora essa comunidade tenha nascido em um momento duro da história da comunidade africana, essa sociedade se mantém até os dias de hoje, prevalecendo como forma de celebrar a luta dos antepassados africanos e o modelo de vida elegante dos congoleses.
Atualmente, a La Sape conta com um desfile dos membros do movimento pelas ruas de Brazzaville, no Congo, todo mês de junho.
Nesses eventos atuais os Sapeurs vestem-se com toda elegância possível e caminham lentamente pelas ruas para exibir as suas roupas aos espectadores, que por sua vez são considerados os juízes que avaliam cada look e elegem o “sapeur do ano”.
Agora o movimento trata-se de exibir elegância e felicidade por meio das roupas. É sobre sentir-se bem com um look e acreditar que ao vestir-se com glamour, você transborda alegria.
E no presente a ideologia do movimento é levada tão a sério que um Sapeur economiza por anos até ter cerca de US$ 2.000 para comprar um terno feito por um designer de renome.
Lembrando que mesmo que essas roupas sejam caras, as pessoas que as usam não são ricas, pois estamos falando de uma comunidade formada por trabalhadores comuns, como carpinteiros, fazendeiros ou taxistas.
Não é à toa que as fotos dos Sapeurs costumam ter um contraste de informações, pois vemos roupas exuberantes em um cenário humilde e rodeado de pobreza.
Isso ocorre porque os Sapeurs preferem poupar para comprar roupas de grandes grifes, do que comprar um carro ou uma casa, por exemplo.
E mesmo que o estilo dos membros desta comunidade seja extremamente exagerado e essa preferência por gastar em roupas de luxo nos cause estranheza, para essa comunidade negra vestir-se bem é um símbolo de respeito próprio e uma forma de manter vivo um ato cultural que nasceu com o objetivo de trazer alegria e esperança em tempos de violência e repressão para com o povo africano.
Papa Wemba: um dos grandes nomes do movimento
Em 1979, o cantor Papa Wemba era um líder não-oficial da La Sape, sendo um entusiasta deste estilo de vida e popularizando ele entre os moradores de Kinshasa e Brazaville.
Considerado um dos maiores propagadores da estética, ele lançou várias músicas em homenagem ao movimento, como: sapologie, proclamation e dixieme commandement.
Há ainda uma frase famosa de Papa Wemba para definir a La Sape:
“As pessoas brancas inventaram as roupas, mas nós fazemos disso uma arte.”
La Sape além do Congo
Esse movimentocresceu tanto que passou a existir além do Congo e dos Sapeurs desta região.
Basta pesquisar nas redes sociais as hashtags #SAPOLOGIE ou #LASAPE que você verá pessoas de todos os cantos do mundo adeptas a essa estética.
A popularidade da comunidade também deu vida a algumas marcas de roupas com essa estética, como a SAPE&CO, uma empresa com sede na França, que vende peças a partir de mil euros.
E não para por aí.
A cantora Solange Knowles, irmã da Beyoncé, buscou na cultura dos Sapeurs uma estética para o seu clipe Losing You, de 2012, além de gravá-lo em Langa, na região de Cape Town, na África do Sul.
Conclusão
Como você viu ao longo deste artigo, a La Sape é uma manifestação cultural que nasceu da vontade dos congoleses de fazerem revolução através das roupas.
Embora à primeira vista a estética do movimento cause estranheza, pois vemos pessoas negras extremamente bem vestidas e elegantes contrastando com cenários de pobreza, existe todo um significado por trás disso.
E no final, o que existe atualmente desta comunidade é uma comemoração à ancestralidade africana e aos antepassados que usaram da vestimenta para confrontar colonizadores brancos europeus.
Em conclusão, a La Sape nasceu para devolver ao colonizador o status de imigrante em território africano e provou que o vestir-se, quando feito por pretos, é um ato político e revolucionário.